A evolução no tratamento jurídico das infrações relacionadas ao uso de drogas no Brasil traz à tona a necessidade de rever processos antigos, especialmente aqueles que envolvem fatos ocorridos antes de 2004, quando a Lei n.º 11.343/2006 ainda não estava em vigor. O cenário jurídico brasileiro transformou o uso de drogas em uma infração administrativa, deixando o caráter penal restrito a casos de tráfico de drogas, o que abre espaço para a revisão das medidas cautelares impostas com base no Código de Processo Penal (CPP).
Neste contexto, processos que, à época, tinham como objeto o uso de drogas em pequenas quantidades, muitas vezes denunciados como tráfico de drogas, sem que houvesse elementos concretos que comprovassem a traficância — como a apreensão de balança de precisão, cadernos de anotações financeiras ou mensagens de WhatsApp —, merecem uma análise cuidadosa e criteriosa sob a nova ótica da lei.
O Direito à Revisão de Medidas Cautelares
A revisão das medidas cautelares, com base no artigo 319 do CPP, ganha relevância especial em casos onde, apesar de a denúncia inicial trazer imputações relacionadas ao tráfico de drogas, os elementos probatórios não sustentam essa acusação e revelam a figura do usuário. De acordo com o artigo 319 do Código de Processo Penal, são diversas as medidas cautelares passíveis de imposição, como o monitoramento eletrônico e a proibição de frequentar determinados lugares.
Com a descriminalização do uso de drogas para fins pessoais pela Lei n.º 11.343/2006, a Justiça Brasileira tem se deparado com situações em que réus processados antes de 2004 permanecem sob medidas cautelares, ainda que o processo não tenha culminado em condenação. Neste caso, a jurisprudência mais recente, em consonância com a evolução legal, tem permitido a revisão e, em muitos casos, a revogação dessas medidas.
A Nova Posição do Supremo Tribunal Federal (STF)
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado de forma progressiva em casos que envolvem a distinção entre o tráfico e o uso pessoal de drogas. Em julgados recentes, o relator, ministro Gilmar Mendes, vem consolidando o entendimento de que, na ausência de elementos robustos que caracterizem o tráfico, a imputação deve ser redirecionada ao uso pessoal, o que altera significativamente o regime de sanções.
No julgamento do Habeas Corpus, o ministro destacou a importância de respeitar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência, elementos essenciais para a revisão das medidas cautelares. “A aplicação das medidas cautelares deve ser revista à luz da realidade fática e das transformações legislativas subsequentes”, frisou Mendes.
Além disso, o entendimento de que o uso pessoal de drogas deve ser tratado como infração administrativa e não criminal, conforme consolidado pela jurisprudência do STF, justifica o pleito de revisão ou mesmo a revogação das medidas cautelares impostas à época. O reconhecimento de que a matéria envolve mais questões de saúde pública do que de repressão criminal reforça a necessidade dessa revisão.
Considerações Finais
Dessa forma, advogados que atuam em processos de execução penal e revisão criminal devem atentar-se à possibilidade de revisão das medidas cautelares impostas antes de 2004 em processos relacionados ao uso de drogas. A atual configuração legislativa e jurisprudencial favorece a desoneração dos réus que, à luz da nova legislação, teriam sua conduta tipificada como uma infração administrativa, e não como crime.
A revisão das medidas cautelares impostas com base no artigo 319 do CPP é um passo essencial para garantir o direito à liberdade e à dignidade de indivíduos que não se enquadram no perfil de traficantes, mas que, no passado, foram tratados como tais pela Justiça.
Tamires Ribeiro
Advogada criminalista, especialista em lavagem de capitais e execução penal
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